A matéria aborda, por exemplo, o que ocorreu na Nova Zelândia, onde nada menos que 43 espécies de pássaros foram extintas por conta da introdução de dezenas de mamíferos “estrangeiros”. O foco, porém, é no Brasil. Do benéfico café (rara exceção) ao pernicioso mosquito da dengue (este – imagino, visto que não ficou claro – deve ter chegado ou por descuido nosso ou por pura habilidade do inseto), a reportagem, cujo texto principal se intitula “As invasões bárbaras”, apresenta exemplos importantes e mostra como diferentes instituições têm procurado conter a disseminação, ou até mesmo extirpar, na medida do possível, vegetais como as braquiárias e animais como o mexilhão dourado da Ásia.
Três coisas me chamaram especialmente a atenção. Uma delas foi a sintética e lúcida afirmação de Sílvia Ziller, integrante do Conselho do Programa Global de Espécies Invasoras (Gisp), segundo quem “o problema desse tipo de introdução de espécies é que, quando dá certo, beneficia poucos, mas, quando dá errado, prejudica muita gente”. Nada mais representativo da atitude mesquinha não poucas vezes tomada por quem coloca os negócios muito acima de todo o restante.
Igualmente merece destaque – ao menos para quem pôde folhear o jornal inteiro aquele dia – o fato de outro caderno da mesma edição (“Agrícola”) ter tratado – com outro enfoque, é claro, de cunho mais comercial – da tilápia, cuja variedade “do nilo” é mencionada como uma das espécies vilãs na matéria de “Planeta”. É verdade que o texto do suplemento dedicado aos agronegócios prudentemente aborda a questão de teor ecológico referente ao fato de ser um animal não nativo. Mas resta uma certa estranheza, além de se constatarem visões opostas entre as duas matérias do mesmo dia, tanto nos aspectos gerais como em informações pontuais, notadamente a referente aos tanques-rede, por onde “o peixe escapa pela malha e vai parar nos rios”, conforme a matéria de “Planeta”, e com “malha fina para que os peixes não escapem”, segundo o “Agrícola”.
Antes de ler os textos, porém, o que me saltou aos olhos foram as chamadas nas capas tanto do jornal como de “Planeta”, ambas ilustradas com desenhos do caramujo-gigante-africano. Fizeram-me lembrar de texto que escrevi em fevereiro de 2006 para o boletim eletrônico Notícias Abradic, da Associação Brasileira de Divulgação Científica. Reproduzo abaixo o artigo, que ainda considero atual.
O paraíso tropical e os infernos locais
Jornais e sites noticiosos dos dias 07 e 08 de fevereiro estamparam com destaque, em suas seções de ciência, a descoberta de uma variedade de espécies desconhecidas ou consideradas extintas numa ilha indonésia, na região da Nova Guiné. “Um novo mundo na Indonésia”, anunciou O Estado de S. Paulo. “Novas espécies povoam ‘Éden’ indonésio”, salientou a Folha de S.Paulo. “Centenas de novas espécies são encontradas na Indonésia”, destacou O Globo, com um pouco mais de moderação. “Porta para o ‘Jardim do Éden’”, revelou com alarde o Jornal do Brasil. “Cientistas encontram ‘mundo perdido’ em ilha da Indonésia”, era a manchete de notícia da Reuters em alguns dos portais brasileiros.
Inegavelmente um achado precioso, empreendido por pesquisadores da ONG Conservation International e do Instituto de Ciências da Indonésia, liderados por Bruce Beehler, ornitólogo especializado em pássaros da região. (Dias depois do anúncio, ele esteve no Brasil, visitando as cataratas do Iguaçu.) Com exagero ou não, os jornais deram o destaque merecido. Afinal, trata-se de um acontecimento raro, pois não é todo dia, e em qualquer lugar, que se descobrem diferentes espécies, de rãs a mamíferos, de uma só sacada – embora, é claro, tamanho levantamento demande bastante tempo, coisa que muito poucas vezes é frisada no noticiário sobre ciência, dando aos leitores a falsa impressão de que tais descobertas (palavra um tanto enganosa, diga-se de passagem) são meramente instantâneas. Bem, ao menos cumpriu-se a função de chamar a atenção...
Atenção que faltou, por sinal, para outro acontecimento extremamente importante – e grave – em terras brasileiras. Não se trata de uma descoberta; ao contrário, não resultou de nenhuma pesquisa científica, mas sim de uma imprudência decorrente da ambição por lucros de pessoas que, em 1988, numa exposição agropecuária no Paraná, incentivaram a criação do caramujo-gigante-africano (Achatina fulica) como uma alternativa mais eficiente, com retorno financeiro mais rápido, ao escargô. E hoje, após descuidos no manejo da espécie, que escapou dos locais onde era criada, tornou-se uma praga. Em janeiro deste ano, por exemplo, moradores e veranistas de Ilha Comprida, no litoral sul de São Paulo, se viram cercados por inúmeros exemplares da exótica espécie, a tal ponto que um dos “passatempos” deste verão no local foi catar os caramujos, com uso de luvas, e matá-los, por afogamento ou incineração.
O caramujo-gigante-africano se espalhou, nos últimos anos, do Sul à Amazônia, em razão sobretudo da rapidez de reprodução (é hermafrodita e produz até 400 ovos no auge de seu período fértil) e da inexistência de predadores naturais em terras brasileiras (o único conhecido é uma espécie de gavião da África, o qual, se trazido para cá, causaria ainda mais problemas). Tudo isso sem falar, é claro, da irresponsabilidade em nome do ganho financeiro rápido... Além dos desequilíbrios ecológicos de dimensões ainda desconhecidas, o Achatina fulica tem causado danos a inúmeras culturas agrícolas e é vetor de doenças graves para o ser humano, como a angiostrongilose abdominal e a meningite eosinofílica, cujos agentes são vermes hóspedes do caramujo, entre outros animais. Diante de tão impressionante quadro, vem a pergunta: quantos brasileiros já ouviram falar do caramujo-gigante-africano?