segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Divulgação científica nos trilhos

Conforme anunciei em post de 19 de novembro, estive em São Carlos, no interior paulista, considerada a capital brasileira da tecnologia, abrigando duas grandes universidades públicas e uma série de instituições de valor no campo científico, para ministrar uma versão compacta do Curso de Redação em Divulgação Científica, de 23 a 25 de novembro, na Fundação Pró-Memória.

Foi uma experiência das mais interessantes para mim. Em primeiro lugar, por conhecer um pouco de São Carlos e a Estação Cultura (cuja fachada está na primeira foto que acompanha este texto), onde é sediada a Fundação, instalada no prédio da antiga estação ferroviária local, hoje usada como tal apenas para transporte de cargas. Não foram poucos os momentos em que se tinha de dar uma pausa à aula, sem prejuízo ao curso, no aguardo da passagem dos trens, fazendo o prédio suavemente tremer – algo que achei fascinante, simplesmente sui generis.

O curso em si também foi dos melhores que já pude ministrar. Não apenas pude ensinar alguma coisa sobre divulgação científica e a arte-e-ciência de escrever para públicos diversos, como aprendi muito com os participantes, todos funcionários da Pró-Memória, com formação em áreas como história, arquitetura, sociologia, arquivologia, documentação e restauração.

Não apenas mostraram excelente desempenho na construção de textos, como igualmente apresentaram alto nível nas discussões que empreendemos sobre produções de divulgação do conhecimento científico. Terminaram o curso sem dúvida conscientes da importância de transmitir o saber da ciência de modo claro e eficiente, como era proposta do curso.

Na foto ao lado, Mariana Lucchino, Júlio Roberto Osio, Leila Maria Massarão, eu, Izolda Florêncio Coutinho, Ana Paula Neves, Aline Ulrich e Matheus da Silva Luiz (a autoria da foto é da jovem Yasmin, filha de outra integrante da Fundação, que nos fez a gentileza desse precioso registro). A mim só cabe agradecer a estes diletos participantes, bem como a Kellen Moraes, que intermediou todo o processo pré-curso, e à direção da Pró-Memória, por essa excelente oportunidade.

Por fim, apresento-lhes o texto com que encerrei o curso, de ninguém menos que José Reis, em compilação feita por sua fiel assistente e discípula, Nair Lemos Gonçalves, e publicada sob o título “Veículos de divulgação científica” no livro Os donos da paisagem, terceiro volume da Coleção Divulgação Científica do Núcleo José Reis, de 2000, organizado por Glória Kreinz e Crodowaldo Pavan. Por si só, uma verdadeira aula:

“Na escolha dos assuntos de divulgação muitas vezes sou movido pela necessidade de melhor me informar sobre algum problema, que de súbito me salteia. Maior ainda é a alegria quando escrevo por sugestão do leitor, o que não é raro, mesmo quando a pergunta esteja longe de minha imediata cogitação; isto me obriga a enveredar por um caminho novo, fazer meu aprendizado e transformá-lo depois em ensinamento. Certa vez o Prof. Oto Bier, no Instituto Biológico, me perguntou se não era monótono e cansativo toda semana arranjar um assunto diferente e prepará-lo para divulgação. Creio haver mostrado que assim não ocorre, porque essa tarefa envolve dois dos maiores prazeres desta vida: aprender e repartir.

“Suponho até que a alegria do divulgador é maior que a do mestre, que ensina em classes formais. O divulgador exerce um magistério sem classes. [...]

“Importa, em primeiro lugar, um pouco de coragem para dispensar a precisão exigida de texto científico preparado para especialistas, e apelar para analogias, generalizações e aproximações. A coragem de ser humilde. [...] Falei em coragem. Sim, a coragem de parecer ignorante, porque é comum o cientista que tenta a popularização pensar que os colegas poderão tomar por erro aquilo que é deliberada simplificação. Na verdade, que importa se assim pensarem? [...]

“Caracteriza-se o estilo enxuto pela ausência de prolixidade (circunlóquios, sequência de sinônimos, adjetivação oca), comparável à estática ou ao ruído de fundo. Evitar palavras e termos inúteis há de ser preocupação de quem busque o comedimento estilístico. Cumpre, entretanto, notar que a redundância, quando repetição de um mesmo conceito ou fato, às vezes se impõe para melhor compreensão do assunto, é premeditada e realiza-se por meio de palavras e formas diferentes, que sirvam de alternativa a outra explicação.

“Ao comedimento estilístico não se oporá a vivacidade, que é essencial. Escreva-se, quanto possível, como se fala. Para isso imagine-se o autor conversando com invisível leitor, cujas dúvidas procure adivinhar, pondo-se em seu lugar.

“Erro que frequentemente cometem os iniciantes é enxertar muita informação diferente no artigo. Este deve preferivelmente tratar de um só assunto. Divagações sobre outros temas, inspiradas em algum detalhe da matéria principal, distraem o leitor, que perde o fio da meada. É preciso, antes de começar a escrever, pensar maduramente no tema e no propósito de sua publicação. Ensinou-me a experiência que os melhores escritos não são os que se elaboram logo após estudar e pesquisar o assunto, mas os que ficam a sedimentar por algum tempo. No processo de organização mental, que então se desenvolve, delineia-se naturalmente o essencial, livrando-o da ganga que, no papel, seria o tropeço desanimador para quem lê.

“A unidade da matéria não se confunde com a monotonia. Quebre-se esta, onde cabível, com uma pitadinha de sal, uma crítica ou alusão a alguma circunstância atual familiar a todos os leitores. O que se deve evitar, repito, é incrustar no texto, como verdadeiras cunhas, informações alheias ao tema. Isso poderia caber num livro, que costumeiramente se lê mais devagar, voltando atrás quando necessário, não no jornal, que pressupõe leitura mais rápida e informação mais compacta.

“O humano jamais deveria faltar no artigo de divulgação; ideal é que o leitor sinta que a ciência não acontece por si, mas decorre do trabalho de pesquisadores. O que há de aventura na descoberta faz o artigo palpitar. Infelizmente, as limitações do espaço nem sempre possibilitam esse tipo de narrativa. Ainda aqui, o livro ou a revista são melhores veículos para a divulgação científica. Convém insistir, e muito o tenho feito, na conveniência de humanizar os textos científicos, sejam de divulgação, sejam de ensino regular. A ciência adquire nova dimensão quando penetrada pela história e pela meditação filosófica.

“Não é pelo artigo de divulgação filosófica que o autor se impõe como cientista sábio, embora um cientista às vezes se torne mais conhecido e respeitado pelo público depois que se faz divulgador. Para isso, entretanto, é preciso abdicar de todo jargão de sua especialidade. Ao leitor, excetuados os maníacos em colecionar preciosismos, não interessam palavras difíceis, mas os fatos e conceitos a que elas correspondem.

“De quantas qualidades contribuem para estabelecer ponte entre o escritor a mais eficiente, tenho percebido, é a sinceridade. O que se escreve com essa chama penetra com tal intensidade o espírito do leitor que este pode até acabar fazendo do seu constante autor uma espécie de conselheiro. [...]

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