sexta-feira, 30 de setembro de 2011
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
Autoritarismo: raízes profundas e frutos amargos
“Dialética do autoritarismo burocrático” é o título do mais recente artigo de Jean Pierre Chauvin, mestre e doutor em teoria literária pela USP, com quem tive o prazer de trabalhar entre 2006 e 2009, na Legulus Cursos de Difusão Cultural.
Atualmente professor na Fatec de São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, Chauvin, um especialista em Machado de Assis, tem tratado do tema “mandonismo” pelo menos desde seu doutorado, a partir de exemplos de nossa literatura. Desta vez, porém, a análise passa longe da ficção e foca especificamente a realidade do dia a dia das corporações.
Dois aspectos especialmente me chamaram a atenção. O primeiro, o fato de o estudo buscar as raízes do autoritarismo no psiquismo humano, ainda que influenciado pelo meio – e não na realidade local ou cultural, como é comum se acreditar na academia, por mais que tal fator seja bastante relevante em muitos casos.
Muito interessante também o destaque dado aos traços de autoritarismo por trás do discurso, aparentemente simpático, que muitos pretensos líderes apresentam, com frases do tipo “passo-lhe a palavra”, “entendi sua posição, mas isso é o melhor que posso fazer”, “você poderia buscar um lanche para mim?” ou “é por essas e outras que você é meu braço direito”.
Numa época em que muitos cursos, eventos e livros procuram ensinar como deve agir um autêntico líder, e o autoritarismo se faz presente até mesmo nas redes sociais da internet, o tema abordado por Chauvin é dos mais oportunos. O artigo está no site da União Brasileira de Escritores (UBE), da qual o autor é membro.
Até que ponto a sustentabilidade se sustenta?
Fico normalmente muito desconfiado quando um termo passa a ser usado com tamanha frequência que, ao que me parece, perde muito de seu sentido original, pleno de significado e boas intenções, e não raras vezes se torna vazio, um lugar-comum. Aconteceu, por exemplo, com “cidadania” e, pelo que observo, vem ocorrendo com “sustentabilidade”.
Ao entrar, dias atrás, se bem me recordo, em um de meus e-mails, vi o anúncio de um site intitulado Respostas Sustentáveis. Após o clique e a abertura da página inicial, notei que é mantido por uma grande multinacional. Não se faz propaganda explícita da empresa, mas os textos lá presentes – que procuram mostrar soluções para problemas como os da energia, do lixo e da escassez de água no planeta – induzem o leitor a pensar que se trata de corporação que tem como meta contribuir com a tão afamada sustentabilidade, no caso, de nosso planeta, o que não necessariamente é verdade. E assim se vê, aos montes, em outros sites e propagandas de TV e jornal, talvez visando nada mais nada menos que a sustentabilidade da boa imagem das próprias empresas anunciantes.
Tomara que ao menos 50% do que se vende como sustentável de fato o seja. Ainda assim me pergunto: o quanto há de ação real e de mero discurso? Até que ponto, enfim, a sustentabilidade que apregoam se sustenta?
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
A onça e o eucalipto
Olhar confuso, um tanto tristonho, observando a movimentação humana ao redor, sentindo-se acuada, era um retrato praticamente fiel da situação por que passa a natureza ante a ação em geral predadora dos “únicos seres racionais” que habitam este sofrido planeta.
A explicação para ela ter chegado ali? A devastação das matas, que tira os bichos de seus habitats originais e os aproxima da “selva de pedra” dos hominídeos. E não à toa a árvore em que a onça subiu era um eucalipto, que vem substituindo a floresta nativa e sustentando muitas empresas que dele se beneficiam economicamente, até mesmo sob o discurso de que contribuem para o reflorestamento. Que cena cheia de significado!
Luz, ciência e evolução
Engana-se, porém, quem pensa que é a primeira vez que se verificam velocidades supraluminosas em laboratório. Em Diálogos sobre física quântica (edição brasileira pela Capax Dei, de 2010), os físicos portugueses José Croca e Rui Moreira, da Universidade de Lisboa, descrevem, em seu sexto capítulo, o chamado efeito de túnel, presente nos supermicroscópios, em que partículas atravessam barreiras – mesmo tendo energia inferior a estas, o que tornaria a travessia inconcebível segundo a mecânica clássica – a velocidades que chegam a superar a da luz.
José Croca esteve em São Paulo em março deste ano, a convite do professor Gildo Magalhães dos Santos Filho, livre docente em História da Ciência e da Tecnologia, do Departamento de História da FFLCH/USP, para ministrar o minicurso “Evolução das ideias da física quântica: aspectos históricos e epistemológicos”. Com muita simpatia e didatismo, apresentou a principal proposta de seu livro em coautoria com Rui Moreira: a de que princípios importantes da mecânica quântica ortodoxa – representada pela chamada Escola de Copenhague e cientistas como Niels Bohr e Werner Heisenberg – podem estar errados.
Ao contrário do que preceitua a teoria aceita pela maioria dos físicos, há, segundo Croca, uma realidade causal nos fenômenos quânticos, que independem da influência do observador, e as ondas-partículas – que em tese têm seu caráter corpuscular indissociável do ondulatório, conforme o princípio da complementariedade, comportando-se ora como onda, ora como partícula, indeterminadamente – são compostas cada qual por um núcleo ou singularidade, bem como por uma onda-guia, ou onda theta, no seio da qual se encontra a singularidade, em uma posição qualquer. Tal ideia não é nova, foi apresentada originalmente por Louis de Broglie, justamente um dos pais da física quântica, mas cujas propostas foram depois suplantadas pelas de Bohr e colegas da Universidade de Copenhague.
Voltando aos neutrinos e à recente notícia, o que mais desafia – ou mesmo atemoriza – os céticos é pensar que a teoria da relatividade de Albert Einstein, segundo a qual a velocidade da luz não pode ser superada, possa ser violada e talvez derrubada. Creio que a melhor resposta nos é dada por Croca e Moreira, à página 240 de seu livro, na voz da personagem Argus:
“Se as velocidades supraluminosas de fato existirem, como tudo leva a crer, então isso apenas significa que a teoria da relatividade necessita ser reformulada, generalizada, de modo a poder incluir, em certos casos, velocidades superiores à da luz. Tal conclusão não é, aliás, surpreendente, uma vez que a relatividade já tem um século e, por conseguinte, desde sua formulação até o presente, muito trabalho foi feito, quer no nível conceitual, quer no que respeita o desenvolvimento de novos instrumentos que permitiram realizar novas e muito mais rigorosas experiências. Afinal de contas, a chamada teoria da relatividade, tal como as teorias físicas, é apenas uma criação humana e, como tal, necessariamente limitada. Querer ver, como disse anteriormente, na teoria da relatividade a última verdade, a última palavra para a explicação dos fenômenos naturais, não é uma atitude científica. Quando muito, é apenas uma crença dogmática de natureza semelhante às crenças religiosas.”
Em suma, a própria relatividade precisa ser, digamos, relativizada. Imagino que Einstein, possuidor de mente aberta e avançada, concordaria com essa afirmação, sabedor de que a ciência evolui – no que também Charles Darwin estaria de acordo, não tenho dúvidas.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Ciência para inglês ver
No último dia 20, uma terça-feira, a Folha de S.Paulo revelou, no texto “Língua portuguesa esconde ciência nacional”, de Sabine Righetti, que os artigos científicos brasileiros são muito pouco citados no exterior, embora o país ocupe a honrosa 13ª posição em número de textos publicados. O motivo: 60% de nossos artigos estão em português.
A matéria da Folha gerou, no mesmo dia, uma breve mas interessante discussão no grupo “Divulgação científica e popularização da ciência”, do qual participo, no Facebook. A grande questão é: publicar ou não diretamente – ou apenas – em inglês? E mais do que isso: é esse um “caminho sem volta”, como disse Luís Reynaldo Alleoni, editor da Scientia Agrícola, da USP de Piracicaba, presente no evento da Fapesp mencionado pelo jornal?
A meu ver, passar a publicar tão somente em inglês resolve um problema, mas poderá criar outros tantos.
Em primeiro lugar, verdade seja dita, são poucos os brasileiros, mesmo de nível superior, que têm de fato domínio da língua inglesa (falo em domínio mesmo, não em conhecimentos; domínio a ponto de escrever com a mesma desenvoltura que em sua língua pátria). Portanto, isso pode constituir um entrave a mais para os pesquisadores e criar dois tipos de situações distintas, mas ambas indesejáveis: desestimular a redação de artigos ou aumentar a obsessão já existente entre parte do meio acadêmico por publicar, talvez até mais que por pesquisar. Serão um trabalho e uma preocupação extras para os cientistas.
Além disso, muitas de nossas pesquisas são voltadas para a realidade brasileira (o que talvez explique o fato de a situação em áreas como linguística, letras, artes e ciências sociais aplicadas ser “pior”, como aponta a matéria da Folha), e publicar seus resultados apenas em inglês poderá trazer efeitos deletérios em não poucos casos e setores, dificultando a disseminação de conhecimentos em nosso país. Imaginemos, por exemplo, um jovem cientista do interior de um estado pobre, que às vezes mal sabe ler um artigo científico em português, que dirá em inglês! As chances de ele obter novos conhecimentos serão cada vez menores.
Dizer que seria muito custoso a uma revista tornar-se bilíngue – como apontou Abel Packer, coordenador operacional do SciELO, base que reúne revistas científicas na internet – é uma meia verdade. Seria uma verdade completa (ou quase completa) se continuássemos a depender exclusivamente dos meios impressos. Mas, com o universo “virtual” à disposição, fica bem mais fácil a uma revista em português ter uma versão somente on-line em inglês. Claro que haveria custos (com tradução, a fim de poupar os cientistas desse trabalho, e gerenciamento de um número maior de páginas eletrônicas), mas sem dúvida seriam bem menores que os custos gráficos extras, se tudo ainda fosse feito no papel.
Como apontou o físico e jornalista Roberto Belisário, na discussão via Facebook, é preciso “adaptar o sistema para os diversos perfis, não tentar enquadrar a diversidade existente de perfis em um sistema construído sob medida só para um conjunto restrito deles”. Em resumo, anglicizar toda nossa produção acadêmica escrita poderá – aí sim – criar um outro caminho sem volta, e de destino muito incerto.
PS - Aos que não são assinantes da Folha e, por conseguinte, não podem acessar a página do sítio do jornal na internet, coloco aqui o vínculo para o mesmo texto, reproduzido no Jornal da Ciência, da SBPC: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=79347.