Engana-se, porém, quem pensa que é a primeira vez que se verificam velocidades supraluminosas em laboratório. Em Diálogos sobre física quântica (edição brasileira pela Capax Dei, de 2010), os físicos portugueses José Croca e Rui Moreira, da Universidade de Lisboa, descrevem, em seu sexto capítulo, o chamado efeito de túnel, presente nos supermicroscópios, em que partículas atravessam barreiras – mesmo tendo energia inferior a estas, o que tornaria a travessia inconcebível segundo a mecânica clássica – a velocidades que chegam a superar a da luz.
José Croca esteve em São Paulo em março deste ano, a convite do professor Gildo Magalhães dos Santos Filho, livre docente em História da Ciência e da Tecnologia, do Departamento de História da FFLCH/USP, para ministrar o minicurso “Evolução das ideias da física quântica: aspectos históricos e epistemológicos”. Com muita simpatia e didatismo, apresentou a principal proposta de seu livro em coautoria com Rui Moreira: a de que princípios importantes da mecânica quântica ortodoxa – representada pela chamada Escola de Copenhague e cientistas como Niels Bohr e Werner Heisenberg – podem estar errados.
Ao contrário do que preceitua a teoria aceita pela maioria dos físicos, há, segundo Croca, uma realidade causal nos fenômenos quânticos, que independem da influência do observador, e as ondas-partículas – que em tese têm seu caráter corpuscular indissociável do ondulatório, conforme o princípio da complementariedade, comportando-se ora como onda, ora como partícula, indeterminadamente – são compostas cada qual por um núcleo ou singularidade, bem como por uma onda-guia, ou onda theta, no seio da qual se encontra a singularidade, em uma posição qualquer. Tal ideia não é nova, foi apresentada originalmente por Louis de Broglie, justamente um dos pais da física quântica, mas cujas propostas foram depois suplantadas pelas de Bohr e colegas da Universidade de Copenhague.
Voltando aos neutrinos e à recente notícia, o que mais desafia – ou mesmo atemoriza – os céticos é pensar que a teoria da relatividade de Albert Einstein, segundo a qual a velocidade da luz não pode ser superada, possa ser violada e talvez derrubada. Creio que a melhor resposta nos é dada por Croca e Moreira, à página 240 de seu livro, na voz da personagem Argus:
“Se as velocidades supraluminosas de fato existirem, como tudo leva a crer, então isso apenas significa que a teoria da relatividade necessita ser reformulada, generalizada, de modo a poder incluir, em certos casos, velocidades superiores à da luz. Tal conclusão não é, aliás, surpreendente, uma vez que a relatividade já tem um século e, por conseguinte, desde sua formulação até o presente, muito trabalho foi feito, quer no nível conceitual, quer no que respeita o desenvolvimento de novos instrumentos que permitiram realizar novas e muito mais rigorosas experiências. Afinal de contas, a chamada teoria da relatividade, tal como as teorias físicas, é apenas uma criação humana e, como tal, necessariamente limitada. Querer ver, como disse anteriormente, na teoria da relatividade a última verdade, a última palavra para a explicação dos fenômenos naturais, não é uma atitude científica. Quando muito, é apenas uma crença dogmática de natureza semelhante às crenças religiosas.”
Em suma, a própria relatividade precisa ser, digamos, relativizada. Imagino que Einstein, possuidor de mente aberta e avançada, concordaria com essa afirmação, sabedor de que a ciência evolui – no que também Charles Darwin estaria de acordo, não tenho dúvidas.
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