No último dia 20, uma terça-feira, a Folha de S.Paulo revelou, no texto “Língua portuguesa esconde ciência nacional”, de Sabine Righetti, que os artigos científicos brasileiros são muito pouco citados no exterior, embora o país ocupe a honrosa 13ª posição em número de textos publicados. O motivo: 60% de nossos artigos estão em português.
A matéria da Folha gerou, no mesmo dia, uma breve mas interessante discussão no grupo “Divulgação científica e popularização da ciência”, do qual participo, no Facebook. A grande questão é: publicar ou não diretamente – ou apenas – em inglês? E mais do que isso: é esse um “caminho sem volta”, como disse Luís Reynaldo Alleoni, editor da Scientia Agrícola, da USP de Piracicaba, presente no evento da Fapesp mencionado pelo jornal?
A meu ver, passar a publicar tão somente em inglês resolve um problema, mas poderá criar outros tantos.
Em primeiro lugar, verdade seja dita, são poucos os brasileiros, mesmo de nível superior, que têm de fato domínio da língua inglesa (falo em domínio mesmo, não em conhecimentos; domínio a ponto de escrever com a mesma desenvoltura que em sua língua pátria). Portanto, isso pode constituir um entrave a mais para os pesquisadores e criar dois tipos de situações distintas, mas ambas indesejáveis: desestimular a redação de artigos ou aumentar a obsessão já existente entre parte do meio acadêmico por publicar, talvez até mais que por pesquisar. Serão um trabalho e uma preocupação extras para os cientistas.
Além disso, muitas de nossas pesquisas são voltadas para a realidade brasileira (o que talvez explique o fato de a situação em áreas como linguística, letras, artes e ciências sociais aplicadas ser “pior”, como aponta a matéria da Folha), e publicar seus resultados apenas em inglês poderá trazer efeitos deletérios em não poucos casos e setores, dificultando a disseminação de conhecimentos em nosso país. Imaginemos, por exemplo, um jovem cientista do interior de um estado pobre, que às vezes mal sabe ler um artigo científico em português, que dirá em inglês! As chances de ele obter novos conhecimentos serão cada vez menores.
Dizer que seria muito custoso a uma revista tornar-se bilíngue – como apontou Abel Packer, coordenador operacional do SciELO, base que reúne revistas científicas na internet – é uma meia verdade. Seria uma verdade completa (ou quase completa) se continuássemos a depender exclusivamente dos meios impressos. Mas, com o universo “virtual” à disposição, fica bem mais fácil a uma revista em português ter uma versão somente on-line em inglês. Claro que haveria custos (com tradução, a fim de poupar os cientistas desse trabalho, e gerenciamento de um número maior de páginas eletrônicas), mas sem dúvida seriam bem menores que os custos gráficos extras, se tudo ainda fosse feito no papel.
Como apontou o físico e jornalista Roberto Belisário, na discussão via Facebook, é preciso “adaptar o sistema para os diversos perfis, não tentar enquadrar a diversidade existente de perfis em um sistema construído sob medida só para um conjunto restrito deles”. Em resumo, anglicizar toda nossa produção acadêmica escrita poderá – aí sim – criar um outro caminho sem volta, e de destino muito incerto.
PS - Aos que não são assinantes da Folha e, por conseguinte, não podem acessar a página do sítio do jornal na internet, coloco aqui o vínculo para o mesmo texto, reproduzido no Jornal da Ciência, da SBPC: http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=79347.
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