sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Núcleo José Reis de Divulgação Científica

Há pouco mais de um ano, mais exatamente no dia 30 de setembro de 2010, deu-se o episódio que ficou conhecido, especialmente em redes sociais da internet, como “barraco no CJE”. O CJE em questão é o Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e o “barraco” se tratou de uma acalorada discussão envolvendo professores desse departamento e integrantes – inclusive da coordenação – do Núcleo José Reis de Divulgação Científica (NJR).

Fui aluno do CJE e trabalhei por longos anos no ou para o NJR – fui editor de suas publicações por sete anos e depois passei a ser colaborador, às vezes muito próximo, outras de modo mais eventual. Não participei do “barraco”, e por isso não cabe a mim relatá-lo ou dar qualquer opinião sobre ele. Sobre o que motivou a discussão, porém, tenho muito a falar – o que demorei a fazer, esperando um hipotético momento certo (se é este, não sei, mas não podia encerrar este ano sem me pronunciar).

Não mencionarei os nomes de nenhum dos envolvidos na briga, seja para preservar aqueles por quem tenho estima, seja pelo pouco que me resta de respeito e admiração intelectual por aqueles que, no meu entendimento, foram responsáveis – ou coniventes – por ações das mais graves que já pude testemunhar. Quem me conhece ou está por dentro da história saberá de quem estou falando.

Vamos aos fatos. Não me recordo bem da ordem cronológica dos acontecimentos, mas semanas antes – creio que já em agosto – da discussão no CJE, o Núcleo José Reis de Divulgação Científica foi vítima de três atitudes gravíssimas: sua sede, no então Bloco 9 da ECA (prédio que foi derrubado no início deste ano), foi lacrada, o seu site foi completamente apagado e três professores foram incluídos no conselho deliberativo do NJR sem que se consultassem os membros do Núcleo, conforme consta de seus estatutos.

O motivo alegado para tais ações foi de que haveria irregularidades cometidas por parte dos integrantes da coordenação do Núcleo, especialmente com relação aos rendimentos provenientes do Curso de Especialização em Divulgação Científica, promovido desde 2000. Se houve irregularidades, não sei, e não tenho como provar nem sua existência, nem o contrário. De qualquer modo, os acusados têm pelo menos cinco razões para se defenderem: 1) o curso em questão era um dos mais baratos da USP entre os de mesma categoria – trezentos reais a mensalidade, enquanto outros chegavam a duas ou três vezes isso; 2) nem sempre as turmas tinham muitos alunos, às vezes passavam de trinta, mas outras sequer chegavam a quinze; 3) havia despesas com o pagamento de professores, estagiários – pois nem sempre havia financiamento externo –, impressão de livros, entre outras; 4) se a intenção era ganhar dinheiro, outros cursos teriam sido abertos e outras fontes de renda criadas; 5) se alguém trabalhava lá, não eram os que acusam, que mal pisavam na sede do Núcleo, mas sim os acusados, que estavam quase todos os dias ali, desde que comecei a participar do NJR, em 1997.

Nem a maior das irregularidades, se provada, seria motivo suficiente para as ações que culminaram no “barraco no CJE”. O Núcleo José Reis foi ferido institucionalmente, de modo brutal. Não apenas suas salas foram fechadas – com material precioso, de livros e computadores a um microscópio usado por ninguém menos que Crodowaldo Pavan, um dos pais da genética brasileira, membro da coordenação do Núcleo até sua morte, em 2009 –, como também ficou indisponível o acervo de seu patrono, José Reis, considerado o maior divulgador científico da história de nosso país. Exceção feita à biblioteca de Reis, até hoje não se sabe onde se encontra o conteúdo das salas do NJR no antigo B9.

Já o site do Núcleo talvez fosse o mais extenso dentre os centros de pesquisa da Universidade de São Paulo. Continha textos de centenas de pessoas, dentre integrantes, colaboradores e alunos do NJR, não apenas em páginas comuns, mas igualmente em revistas eletrônicas com ISSN (sigla em inglês para Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas), como Espiral e Vox Scientiae. De um dia para o outro, seus textos foram excluídos da internet. Se mencionados nos currículos vitae ou lattes de parte dessas centenas de autores, com link e tudo, não podiam mais ser acessados – e os (ir-)responsáveis por tal atrocidade sequer consideraram esse aspecto. Mais de um ano após a deleção, o site continua “temporariamente fora do ar, em manutenção”.

É verdade que o Núcleo José Reis estava distante de seus tempos áureos, vividos, a meu ver, entre 2002 e 2006, tendo como marcos o Congresso Internacional de Divulgação Científica, nove anos atrás, e a conquista de uma Cátedra Unesco nesse tema, há cinco anos. É verdade que os acusados de irregularidades cometiam seus pecados – algum excesso de vaidade, decisões às vezes tomadas por capricho, ações vez ou outra feitas na base do improviso, equívocos em certos aspectos de sua linha editorial. Mas, a seu jeito, estão entre os principais responsáveis – grupo do qual não fazem parte os que os acusam – por terem conduzido o NJR a um patamar de enorme reconhecimento no campo dos estudos e ações em divulgação científica.

Dentre os que não se envolveram no “barraco no CJE”, provavelmente sou a pessoa que melhor conhece as qualidades e os defeitos daqueles a quem se acusa de irregularidades. E afirmo, com veemência: suas qualidades não apenas superam os seus defeitos, como o pior de seus defeitos – ou o conjunto de todos eles – não excede ou mesmo chega aos pés dos atos indignantes promovidos por seus adversários (alguns dos quais se diziam amigos), que resultaram no estado de coma institucional em que se encontra o Núcleo José Reis, cuja sorte será decidida por sindicância em curso na reitoria da USP.

Tenho fé, apesar desses pesares, de que prevalecerão os espíritos de luta e lucidez de grandes cientistas e divulgadores que inspiraram e frequentaram o NJR, como o próprio José Reis, Crodowaldo Pavan, Oswaldo Frota-Pessoa – que já não estão mais entre nós –, Julio Abramczyk, Maria Julieta S. Ormastroni, Nair Lemos Gonçalves, Aziz Ab'Saber e outros de imensurável envergadura moral e intelectual. Com aqueles que sempre se dedicaram ao seu fortalecimento e outros que venham a contribuir com a causa da divulgação do conhecimento científico, o Núcleo José Reis de Divulgação Científica sem dúvida verá terminar sua idade das trevas e iniciar seu Renascimento.

10 comentários:

  1. LINDO MAURO...EMOCIONADA...
    E VAMOS CONTINUAR LUTANDO, EM NOME DE CRODOWALDO PAVAN.O QUE FOI BOM PARA ELE, NINGUÉM IRÁ DESTRUIR SEM ME TER PELA FRENTE.
    ATÉ FEVEREIRO DE 2009, 1 MÊS ANTES DE SUA MORTE, ELE SABIA O QUE ACONTECIA NO NJR.DEU ENTREVISTA PARA O USPONLINE LÁ DENTRO. JULGAR O NJR É JULGAR PAVAN...

    PROFa DRa GLÓRIA KREINZ

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  2. Olá Prof. Mauro. Muito bom o seu texto esclarecedor. Fui aluna no período de fevereiro 2010-2011, mas o que me preocupa mais é que eu como aluna nunca recebi nenhum esclarecimento do NJR. Quero saber: os alunos receberão certificado pela conclusão do curso? Está difícil um contato com o NJR e acho que o mínimo que merecemos por ter frequentado as aulas (até onde elas aconteceram) é o diploma. Até mais. Kátia Chemalle

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    1. Prezada Kátia,
      Se a situação do Núcleo em si já é complicada, a dos alunos que não chegaram a receber seus certificados de conclusão do Curso de Especialização é tão ruim ou pior. Creio que ela só poderá ser resolvida quando a Reitoria da USP decidir o destino do NJR. Ainda assim, temo pelo pior: como a antiga sede do Núcleo foi fechada e, meses depois, o prédio que a abrigava foi demolido, não faço ideia de onde estejam os computadores, livros, documentos, objetos etc. que dela faziam parte – incluindo nesse rol de coisas, muito provavelmente, a documentação referente aos registros de matrícula, pagamento e presença dos alunos participantes do curso.
      Não sei se o pessoal da ABRADIC (Associação Brasileira de Divulgação Científica), que participava da organização, poderá lhe prestar algum esclarecimento – até porque foi tão vítima, quanto os alunos, das decisões absurdas tomadas pela coordenação geral do NJR – ou quem sabe emitir algum documento que equivalha ao diploma, ou algo próximo disso, ao menos em nome dela. O site da Associação é http://www.abradic.com/.
      Espero que você tenha algum sucesso e, claro, que a situação do Núcleo José Reis seja resolvida o mais rápido possível, em benefício dos alunos e de todos aqueles que sempre quiseram bem a esse centro de pesquisa e extensão.

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  3. Olá Prof. Mauro! Muito obrigada pela sua resposta. Estive em contato com o Prof.Osmir que me disse que iria providenciar o meu diploma mas até agora não me entregou. Disse que sabe da minha frequência às aulas do curso e que providenciaria. Até agora nada. Falei pelo email dele e da Abradic também. Vc acha que mesmo que seja emitido um certificado em nome da Abradic, pode não valer? Acho então que o Prof.Osmir e os demais da coordenação do curso podem pedir em nome da USP. Claro que também quero que a situação do núcleo se resolva, mas os alunos, como eu, que frequentaram o curso e fizeram todos os trabalhos tem o direito de receber o diploma. Vc sabe onde posso encontrar alguém do núcleo ou da Abradic na USP? É na reitoria mesmo? Muito obrigada.

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    1. Bem, Kátia, o fato de a ABRADIC ter informações sobre os alunos – ao menos da turma de que você participou – é um sinal de que nem tudo está perdido. Mas não sei dizer em que medida um certificado emitido somente por ela tem menos valor, em comparação a um que ostente o nome “USP” (obviamente, aos olhos gerais, um diploma da USP sempre vale mais, mas, para efeitos de contagem de pontos para funcionários públicos ou em processos seletivos, por exemplo, talvez a diferença não seja tão grande).
      Neste momento a Associação está funcionando fora da Universidade, mas acho que vale a pena você voltar a conversar com o Prof. Osmir, embora ele não seja culpado pela situação atual do Núcleo José Reis. Já daqueles que permanecem na USP e foram os responsáveis diretos pelo estado em que se encontra formalmente o NJR – prefiro não citar nomes publicamente, mas se encontram sobretudo no Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA – você e os demais alunos têm todo o direito de cobrar não apenas os certificados, como também explicações sobre tudo o que resultou neste impasse, conforme expliquei no texto original desde blog.

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  4. Prezado prof. Mauro Celso, parabéns pelo artigo. Esclarecedor! Infelizmente eu não pude recorrer ao certificado do curso por conta do fechamento do NJR, e do encerramento do proj. mídiaciência que eu estava desenvolvendo com apoio FAPESP. Eu ainda posso ter alguma esperança? Eu já perdi oportunidade de palestra técnica sobre DC/JC na área de Engenharia Segurança Contra Incêndio, e já perdi oportunidade de ministrar aulas sobre JC para áreas tecnológicas em cursos universitários de Comunicação. Snif...

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    1. Prezada Carla,
      De fato foram muitas as vítimas do que aconteceu, há três anos, com o Núcleo José Reis, além dele próprio: os que lá trabalhavam ou de alguma forma participavam de suas atividades, os interessados em divulgação científica, as pesquisas em divulgação científica, os que publicaram textos em suas páginas e tiveram os mesmos “surrupiados” pela supressão do site e, claro, os alunos, tanto os que concluíram os cursos e não conseguiram receber os certificados (seu caso), como os que poderiam ter sido nesses três anos sem cursos.
      Por ora, enquanto não há uma decisão da reitoria a respeito do acontecido, o que lhe recomendo é entrar em contato com o Prof. Osmir, que trabalhava no Núcleo mas também é o atual presidente da Abradic (Associação Brasileira de Divulgação Científica), com a qual o NJR mantinha convênio à época do curso de especialização.
      Abraços, tudo de bom.

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  5. Prezado Mauro, fui aluno do curso na turma 2009-2010 mas assim que percebi que a confusão era grande demais, com a USP-reitoria e ECA se eximindo da responsabilidade (afinal se houve irregularidades ocorreram debaixo do nariz de todos e sob complacência destes) abandonei o barco. Me mudei de Porto Alegre (onde fiz meu mestrado) para São Paulo com o sonho de fazer o curso e me vi nessa situação deprimente, uma grande decepção. Após tanto tempo, você sabe me dizer qual foi a decisão final? Não moro mais em São Paulo mas gostaria de saber o que, por fim, aconteceu comeste triste episódio. Qual foi o resultado final da devassa? Se o curso não tinha aval da USP como funcionou no campus por 10 anos? Se o professor incumbido teoricamente da administração do núcleo não o fazia, deixando o trabalho de fato a outras pessoas com vínculo histórico (mas irregular) ele não é co-responsável? O que se fez do NJR e do seu acervo? Que fim levaram seus alunos lesados pela USP-ABRADIC? Um triste episódio pra USP ignorado por todos os veículos de comunicação (o que é irônico).

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    1. Thomaz,
      Não sei qual o resultado da sindicância da reitoria da USP. Contudo, em meados do ano passado, ela decidiu, infelizmente, pela extinção do Núcleo José Reis de Divulgação Científica. Talvez, porém, isso não se deva diretamente ao triste episódio iniciado em 2010, mas sim ao fato de que, de tempos em tempos, os registros dos núcleos de extensão precisam ser renovados – e, com o impasse, isso não pôde ocorrer.
      De qualquer modo, a respeito de seu comentário, gostaria de fazer alguns pequenos esclarecimentos. É preciso fazer uma distinção clara entre: a) a coordenação geral do NJR; b) aqueles que administravam mais diretamente o curso e efetivamente trabalhavam no Núcleo, inclusive em outros setores, como as publicações; e c) a ABRADIC, ainda que alguns membros da diretoria desta também fizessem parte do segundo grupo (b).
      A ABRADIC nunca teve qualquer vínculo oficial com a USP, por isso não pode ser responsabilizada pelo problema deflagrado há mais de três anos. Como a questão dos cursos pagos até hoje não foi totalmente resolvida na Universidade, era preciso haver uma entidade à parte que gerenciasse as finanças do curso (nos anos iniciais do curso, a partir de 2000, era uma fundação da própria ECA que fazia esse papel).
      Aqueles que identifiquei no item “b”, dois parágrafos acima, podem ter cometido erros. Não sei ao certo como estava a situação do registro do curso em 2010. Reconheço que possa ter havido atrasos, já que os cursos, na USP – da mesma forma que os próprios núcleos de pesquisa –, também precisam ser renovados de tempos em tempos. Mas, além de lhe garantir que essas pessoas não tinham a intenção de lesar os alunos (quais seriam os motivos para tal?), estou certo de que quaisquer problemas de registro eram contornáveis, podendo ser resolvidos mais cedo ou mais tarde. Ainda sobre essas pessoas, discordo de sua afirmação de que tinham vínculo “irregular” com o Núcleo ou a USP: embora não vinculados oficialmente à Universidade, enquanto professores ou funcionários (algo muito comum em núcleos de extensão, incluindo bolsistas e colaboradores em geral), tinham seus devidos cargos no NJR, com reconhecimento junto à Pró-Reitoria de Cultura e Extensão.
      O que tornou o problema praticamente incontornável, irreversível, foi a atitude da coordenação geral, que – além de responsável maior por todos e quaisquer erros cometidos com relação ao curso, ao longo de todos os anos de sua existência – promoveu a extinção efetiva do Núcleo José Reis, fechando suas portas (até hoje não sei qual o destino de seu acervo) e apagando totalmente o conteúdo de seu site, além de provocar outros transtornos de ordem institucional. Tudo indica que os motivos dessas absurdas decisões vão muito além daqueles alegados, até porque envolveram pessoas que até então não faziam parte do NJR, concluindo-se, portanto, que o maior dos motivos foi aquele que bem conhecemos: a eterna luta pelo poder.
      Em resumo: se havia problemas com o curso até então, fossem eles grandes ou pequenos, eles se tornaram quase que totalmente irresolúveis a partir de então. Foi como tentar apagar um foco de incêndio com gasolina (mas talvez a intenção fosse justamente queimar tudo de vez).

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