quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Luzes na construção do saber

Nesta data em que se celebra aquela que é considerada a padroeira do Brasil, comemoram-se os 80 anos do Cristo Redentor, que abençoa o Rio de Janeiro e mantém seus braços abertos para todo o país, representando aquele que, independentemente de crenças, nos propôs amar a todos e buscar a verdade.

Aproveito esta oportunidade para reproduzir um texto que escrevi em março de 2004, para a edição nº 48 do Informativo JR, do Núcleo José Reis de Divulgação Científica da USP, em que falo brevemente sobre as relações entre ciência e religião, e recordo a saudosa figura do professor Crodowaldo Pavan, que nos deixou cinco anos depois:


Ciência e religião: luzes na construção do saber

“Ninguém acende uma candeia para pô-la debaixo do alqueire; põe-na, ao contrário, sobre o candeeiro, a fim de que ilumine a todos os que estão na casa.” Assim escreve Mateus no versículo 15 do quinto capítulo de seu Evangelho. Palavras de Jesus Cristo que, para além de seu sentido imediato, ainda que imerso na metáfora, muito podem nos fazer refletir a respeito da relação entre dois pilares da humanidade, sobre os quais costuma-se dizer estarem em conflito: a ciência e a religião.

Conflito? A despeito das controvérsias em torno de temas como clonagem, terapia genética e métodos contraceptivos, envolvendo cientistas e religiosos, inclusive a Igreja Católica, quando não pela palavra do próprio papa João Paulo II, esforços têm sido feitos no sentido de aproximar conhecimento científico e concepções religiosas, por meio de debates abertos e construtivos. Exemplo interessante foi o Encontro Tomás de Aquino: do 1º Motor ao Big Bang, promovido em outubro do ano passado pelo NJR, FiloCom e Editora Paulus.

Dentro da própria Igreja de Roma a ciência é discutida de maneira saudável, sem pré-julgamentos, mais precisamente na Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, da qual é membro o coordenador de divulgação do Núcleo José Reis e presidente da Abradic, o brasileiro Crodowaldo Pavan – um agnóstico. Aliás, cientistas de diversos credos – basta não ser ateu – participam dessa instituição, que em 2003 completou 400 anos de existência.

Na última reunião entre os seus integrantes, em novembro, um assunto bastante debatido foi o cérebro humano. No entanto, temática recorrente na Academia tem sido a da cosmologia, a tal ponto que houve anos em que se discutiram, seguidamente, as origens do Universo, da vida e do homem. Segundo o geneticista, a própria ciência não tem uma resposta definitiva sobre tais temas, a qual pode ser dada pela religião, ainda que contestável. Fala-se do Big Bang, mas o que havia antes dele? – pergunta Pavan.

Ciência e religião devem andar juntas? Embora tenham muito em comum, sobretudo os mesmos fins, que se resumem no bem da humanidade e no futuro da espécie, ciência e religião têm bases diferentes e devem caminhar em paralelo, sem se cruzar, diz o único brasileiro a fazer parte da Academia do Vaticano neste momento. Futuramente, porém, talvez haja condições de se fazer esse cruzamento.

Agnóstico, Pavan diz ter pela religião, assim como pela Igreja Católica, mantenedora da Academia de Ciências de que é membro, o mesmo respeito que tem pela ciência. E afirma que é possível a um cientista ter um forte sentimento religioso, sem que isso influencie negativamente seu trabalho. Como exemplo cita Carlos Chagas Filho (1910-2000), que presidiu a instituição pontifícia nos anos de 1970.

Polêmicas à parte, cada vez mais se tem evidência de que ciência e religião podem contribuir conjuntamente, mas sem interferências indevidas, para o avanço do conhecimento pelo ser humano. A luz trazida por uma ou por outra não pode ficar escondida, conforme se depreende das palavras de Jesus. E nem a luz de uma pode obstar a da outra, já que ambas podem juntas iluminar os caminhos do mundo em meio às trevas da ignorância.

Glossário:
FiloCom: Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação, da ECA/USP.
Abradic: Associação Brasileira de Divulgação Científica.

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